Cultura organizacional: e ela é organizável?

Um relatório da PwC (*) de 2021 reforçou o fato de que em épocas como as que vivemos, repletas de necessidade de mudança, cultura é um dos fatores que fez com que as organizações tivessem sucesso ou fracassassem. (Na pandemia, 69% dos respondentes mencionaram que os drivers de sua cultura foram os principais responsáveis por seu desempenho).

Afinal, ela define ‘o que fazemos quando achamos que ninguém está olhando’. Uma imagem comum para defini-la, inclusive, é um iceberg, somente a ponta visível, já que conseguimos enxergar os comportamentos ou atitudes, mas nem sempre as motivações por trás deles. Daí vem a pergunta que me ocorreu ao pensar nesse texto: a cultura organizacional é organizável? 

Se formos analisar o ponto de vista semântico ou antropológico, a palavra cultura já é fascinante; vem comigo: quando a usamos normalmente, estamos falando de artes, estudo, profundidade – coisas como “São Paulo tem uma vida cultural muito rica” ou “Fulano é muito culto; estudou x e y e se dedicou a esses temas por anos”.

de acordo com a Antropologia, o conceito de cultura diz respeito a um conjunto de significados que dão sentido a uma sociedade, ou seja, temos os valores, as crenças, os costumes e os outros aspectos que contribuem para a construção da identidade cultural de um grupo – pense nas cidades interioranas do Brasil, sempre construídas ao redor de uma igreja no centro de uma praça. Não é por acaso.  

Esses dois lados já te contam que os saberes de cada povo (e aqui chamamos de povos as diferentes nacionalidades, mas poderíamos chamar facilmente os grupos das organizações; na Movidaria, são os ‘movers’) definem as coisas que acreditamos, mesmo sem saber muito por quê. 

Para essa conversa ficar mais interessante, vamos trazer alguém ‘culto’ (trocadilho intencional) para nos ajudar:  Edgar Schein (**) é um Ph.D. em psicologia social pela Harvard University e um dos maiores nomes na área de desenvolvimento organizacional. Schein definiu um método, baseado numa observação sem julgamentos nas camadas daquele iceberg que mencionamos anteriormente, sob a perspectiva de três níveis diferentes: 

– Os artefatos: os elementos mais visíveis, que traduzem os comportamentos que são esperados na empresa. Pense nos móveis escolhidos para os escritórios (são pufes coloridos ou mesas de mármore? Mesas juntas ou separadas? Como são divididas as áreas, ou não são?), no código de vestimenta (Existe? É longo? Detalhado? Qual o recado dado?), no design da imagem da marca (O logo é colorido? Fluido? Suave?), nas comunicações internas e externas (Formais? Informais? Qual a linguagem?). Por fim, em todas as manifestações verbais: os mitos, causos, piadas que rolam recorrentemente. 

– As crenças e valores adotados: são as estratégias e os objetivos compartilhados por um grupo, e as normas declaradas dentro da organização, criadas pelos empregadores/dirigentes ou entre estes e seus subordinados. Estamos falando do que orienta a tomada de decisões e comportamento das pessoas dentro da empresa, do que origina as regras de convivência (Emendam-se feriados? Tem controle de horário? Como é feito o controle de projetos e entregáveis? Onde e como são controladas as metas? Num conflito, o que é o voto de Minerva? O que se tem orgulho de dizer sobre a missão da empresa?) 

– Os pressupostos: como cada organização entende o mundo ao seu redor e a qual propósito ela serve, que problema quer sanar, qual é sua missão e visão – e como ela traduz através da estratégia. são os sentimentos que alguém assume como se fossem verdadeiros, ou seja, comportamentos e crenças enraizados na mente e na programação dos indivíduos, muitas vezes de forma inconsciente.

Constituem a essência da cultura e, geralmente, estão tão impregnadas na organização que chega a ser difícil percebê-los ou identificá-los. Para muitos, é necessário “viver” a organização por muito tempo para chegar a entendê-los e incorporá-los. 

Se, ao ler sobre o método de Schein, você foi tentando responder às perguntas, vamos temperar mais suas respostas: aquela pesquisa da PwC nomeava nove fatores que apoiavam a leitura e o fomento da cultura organizacional; dentre eles, o tom escolhido pelos dirigentes, os programas de desenvolvimento e treinamento (não somos nós que estamos dizendo!), o feedback, as comunicações formais, as redes de engajamento…  

O que você faz fala muito mais alto do que o que você diz. 

(Ralph Waldo Emerson)  

Carolyn Taylor, outra estudiosa sobre o tema, se debruça sobre um aspecto em particular: a ideia de que para alcançar mudança, a liderança precisa estruturar a cultura através do exemplo – o famoso ‘Walking the talk’. O desafio, ou talvez devêssemos dizer os desafios, se somam aos nove itens da PwC e vão além, exigindo autenticidade e coragem de todos os envolvidos nesse processo.  

Daí voltamos à nossa pergunta original: a cultura organizacional é organizável?  

Não vamos deixar você sem resposta. Mas também não seria ambiciosa para desejar fornecer uma resposta simples a algo tão profundo como um iceberg (outro trocadilho intencional, prometo!). A cultura organizacional, na minha opinião, não é organizável. Porque ela é viva, fluida, dinâmica, orgânica, e poucos desses adjetivos combinam com organizável.

Mas isso não quer dizer que ela não possa ser uma alavanca de sucesso, uma escolha mais consciente (vide a célebre e inteligentíssima frase de Jung abaixo) e uma plataforma para abarcar todos os que decidirem de forma tão cândida navegarem com sua empresa e aceitarem o sopro dos ventos. Exercer de forma assertiva, inteligente e clara a personalidade que moldará os membros da organização é um talento importante – e esse sim, organizável. 

Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamar isso de destino. 

(Carl Jung) 

 

(*) https://www.pwc.com/gx/en/issues/upskilling/global-culture-survey-2021.html 

(**) https://www.managementstudyguide.com/edgar-schein-model.htm 

 

Leticia Casavella

Psicóloga por formação e educadora por vocação. Apaixonada por idiomas, viagens, livros, Friends (os da tv e os da vida) e vinho, não necessariamente nessa ordem.

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