Mesmo antes da pandemia, o Fórum Econômico Mundial já gritava aos quatro ventos a necessidade de trabalhar reskilling* (em uma tradução mais livre, o aprendizado de novas competências e habilidades e a adaptação para novas funções), simplesmente pela velocidade que o mundo atual requer. Pós pandemia, isso já se tornou uma premissa, porque além da questão original, agora há a administração de novos jeitos de se trabalhar e novas demandas, não só tecnológicas, mas comportamentais, para gerir pessoas (que não querem, em sua grande maioria, voltar ao status anterior**), e processos.
Neste contexto, nos deparamos com a frustração constante de encontrar pessoas que não somente consigam lidar com os desafios que se apresentam diariamente em formas e quantidades novas, mas também com tranquilidade e discernimento, sabendo usá-los como alavancas.
A verdade é que os momentos formais de aprendizado são parte da nossa estrutura educacional – o ambiente escolarizado, o momento de falar e o de ouvir, a divisão clara entre teoria e prática – essa, sempre menor e muito controlada pela autoridade do professor – e a ideia de que se aprofundar em algum conteúdo requer especificamente pesquisa e um compilado de conclusões.
Contudo, no ambiente corporativo, as interações diversas e experiências são o que de fato impulsiona o aprendizado: em vez dessa estrutura tão rígida, o compartilhamento de informações, a observação de comportamentos implícitos, o feedback não estruturado ou uma conversa de elevador podem alterar o curso de um projeto de forma radical.
Dessa forma, embora treinamentos façam parte lógica dessa construção de conteúdos e comportamentos, muito do que importa vem do que ocorre fora deles: e do comportamento quase reflexivo e inconsciente que nos apoia na transformação dos conteúdos em momentos aplicáveis e úteis na nossa realidade: daí aparece a aprendizagem intencional, que faz toda a diferença no desempenho de dois profissionais que, no papel, seriam idênticos.
Qual é, então, o segredo dessa distinção? O que faz com que duas pessoas com a mesma formação acadêmica ou experiências profissionais tenham desempenhos diferentes e percepções distintas sobre o que estão vivendo? Como podemos multiplicar e reproduzir o conceito de aprendizagem intencional para que ele torne a realidade mais fluida e orgânica para todos no time?
‘Educação não é a memorização de fatos, mas o treinamento da mente no pensar’
(Albert Einstein)
Aprender de forma intencional tem a ver com algumas práticas que precisam ser cultivadas e repetidas constantemente, tais como:
– A chamada ‘mentalidade de crescimento’***, focando em crenças sobre suas habilidades que possam te ajudar a olhar de forma proativa para o futuro, substituindo coisas como ‘não sei fazer gráficos’ para ‘preciso de mais prática na apresentação de dados para apoiar meus projetos’.
– Fomentar sua própria curiosidade. Tendemos a viver numa bolha autoimposta, e ela nos protege e acalenta – mas também limita. Se você gosta de teatro, tente ocasionalmente assistir a uma novela. Se gosta de trabalhos manuais, tente fazer um curso curto de filosofia (ou vice-versa).
Assista a filmes de tipos e países que você não conhece, leia autores que você jamais leria, experimente comidas com temperos diferentes, faça de vez em quando algo completamente novo e desconfortável, simplesmente para responder à pergunta “E se…?”, que é uma das perguntas mais poderosas da aprendizagem.
– Exercitar a escuta ativa e a busca de feedback. Ouvir os outros vai muito além de fazer eco às suas opiniões, e ajuda a entender que pontos não estão sendo avaliados. Faça perguntas específicas – ‘o que você achou?’ precisa ser substituído por ‘nesse slide, eu tentei traduzir o status atual do nosso projeto e a necessidade de nosso envolvimento. Como você acha que isso poderia ser feito de uma forma mais envolvente?’ Peça detalhes, e tente aplicá-los.
– Refletir sobre seus objetivos e dividi-los. O famoso ‘fatiar o elefante’: se você quer se tornar proficiente em gastronomia chinesa, comece experimentando tipos diferentes de entradas, e não tentando fazer um jantar com vários pratos para dez pessoas. Em cada fase, veja o que é um obstáculo e o que se torna mais fácil, e continue praticando, olhando para frente. Transforme o objetivo em algo concreto e mensurável.
– Adotar a ‘prática deliberada’****. Depois de estudar o desenvolvimento de proficiência em diversos tipos de áreas, o psicólogo K Anders Ericsson determinou que há uma abordagem científica para desenvolver expertise e que experts são sempre desenvolvidos, não inatos.
Isso é particularmente interessante porque embora acreditemos que a prática faz a perfeição, isso não é suficiente: Ericsson sugere que a ‘prática deliberada’ é uma atividade focada no nível exato de desafio para desenvolver essa expertise melhorada. Ou seja, experimente graus diferentes de desafio para as habilidades que você quer aprimorar e ajuste ao que você vê mais progresso.
Claro que nenhuma dessas práticas é absolutamente natural e fácil – se fosse completamente intuitiva, a aprendizagem intencional seria só aprendizagem. Mas o ser humano é um ser tribal e o grupo é poderoso: quanto mais pudermos estimular esses princípios, individualmente e nas nossas escolhas de trocas com os times, favorecendo esses canais, insumos e experiências, mais estaremos dando o recado que desejamos: não só Saber e não fazer ainda é não saber, como diria Lao Tsé Tung, mas queremos saber e caminhar juntos, porque o caminho se faz caminhando, como dizia outro poeta.
Assim, estaremos mais atentos e fortes para que cada desafio seja olhado com a curiosidade e interesse que nos fará não somente ultrapassá-lo, mas entende-lo como uma ponte para mais competências e habilidades de exploração.
Referências:
* https://www.weforum.org/reports/the-future-of-jobs-report-2020/
** https://www.forbes.com/sites/tonybradley/2022/03/09/the-future-of-work-in-2022-and-beyond/?sh=282aef7a35a3 e https://www.ivanti.com/lp/customers/assets/s1/the-2022-everywhere-workplace-report
*** Carol Dweck
**** https://hbr.org/2007/07/the-making-of-an-expert
Leticia Casavella
Psicóloga por formação e educadora por vocação. Apaixonada por idiomas, viagens, livros, Friends (os da tv e os da vida) e vinho, não necessariamente nessa ordem.